Crónica: por Bernardo Mota Veiga

Crónica: por Bernardo Mota Veiga

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Lembro-me com enorme clareza o dia em que o meu avô nos deixou. Não sei exactamente a data, sou mau de datas, mas sei a hora exacta e  o que estava a fazer no momento em que a minha avó me ligou temendo o pior. Estava em casa a fazer o único bolo que sabia fazer na altura: Bolo de Bolacha.
 
Não podia ser mais irónico. Eu não faço bolos todos os dias. Aliás, fiz em toda a minha vida menos do que os dedos que tenho.
Foi um dia, aliás, uma noite triste na companhia da minha avó que, na procura de papeis, documentos, ou simplesmente de uma ocupação que lhe afastasse a mente e apaziguasse o espírito, retirou um pequeno papel por entre os pertences do meu avô. Olhou para o minúsculo papel por uns segundos e disse: “Bernardo: Toma. Guarda para ti”
 
Era um papel pequeno,amarelado pela marca dos anos, mas guardei-o na alma e lembro-me dele muitas vezes, quase sempre que me vejo bloqueado nas teias da tomada de uma decisão. 
Rudyard Kipling nasceu em Bombay. Era poeta, novelista e foi considerado um inovador na arte da escrita de estórias curtas. Considerado por muitos um génio foi também o primeiro Inglês a ganhar o prémio nobel da literatura.  Os mais afoitos consideravam Kipling, pela sua visão, análise e escrita, um profeta.
 
Os tempos não estão fáceis para a maioria de nós. Aliás, muitos de nós dificilmente conseguem imaginar que tudo poderia ser pior do que já é.
Vivemos um clima de insegurança e medo do futuro. Estamos envoltos num clima de culpabilização, de raiva e talvez mesmo de desespero. A economia e os seus factores macro e micro entraram pela nossa vida adentro e transformaram os conceitos teóricos numa realidade social. A Sociedade afinal ganha e sofre directamente as dores da economia.
Portugal tinha que mudar, e mudar um país implica mudar as pessoas, e mudar as pessoas implica mudar as mentes já para não dizer os genes. Mudar mentes é mudar a ordem das sinapses e toda uma química neuronal que primeiro nos permita ter uma percepção diferente de uma realidade igual, como ponto de chamada  para o salto quântico de construir uma realidade diferente.
 
Li este poema vezes sem conta. Em cada leitura encontrei uma força que me dizia: Avante. Kipling nunca deve ter pensado que chegaria com esta profundidade a um Viseense. É certo que Kipling escrevia textos para os combatentes da guerra. Provavelmente porque as suas palavras transpiram motivação corrogborando o conterrânio Einstein para quem tudo na vida responde à porporção: 10% de inspiração e 90% de transpiração.
É de facto altura de transpirar.  Estamos a meio do percurso, mas cabe a cada um de nós saber esperar sem desesperar e continuar a sonhar sem fantasiar. Cabe a cada um de nós a aprendizagem  de conviver com a desgraça própria e aceitar o triunfo alheio. Afinal só crescendo a parte cresce o todo!
Cabe-nos portanto a nós dar o máximo por nós e o máximo por todos. Cabe-nos ajudar e pedir ajuda e cabe-nos neste momento tanta coisa que provavelmente não caberia numa vida. Cabe-nos a nós deixar mais para a vida dos que virão do que a própria vida que vivemos. Cabe-nos a nós ser Homens, como tão bem Kipling os descreve no seu poema “If”. Se vos der a voces tanta força, determinação, humildade e coragem como me dá a mim, o mundo, esse, mudará.

por Bernardo Mota Veiga

SE

Se és capaz de manter tua calma, quando,

todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.

De crer em ti quando estão todos duvidando,

e para esses no entanto achar uma desculpa.



Se és capaz de esperar sem te desesperares,

ou, enganado, não mentir ao mentiroso,

Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,

e não parecer bom demais, nem pretensioso.



Se és capaz de pensar – sem que a isso só te atires,

de sonhar – sem fazer dos sonhos teus senhores.

Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,

tratar da mesma forma a esses dois impostores.



Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,

em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas,
por que deste a vida estraçalhadas,

e refazê-las com o bem pouco que te reste.



Se és capaz de arriscar numa única parada,

tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.

E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,

resignado, tornar ao ponto de partida. 



De forçar coração, nervos, músculos, tudo,

a dar seja o que for que neles ainda existe.

E a persistir assim quando, exausto, contudo,

resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste! 



Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,

e, entre Reis, não perder a naturalidade.

E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,

se a todos podes ser de alguma utilidade.



Se és capaz de dar, segundo por segundo,

ao minuto fatal todo valor e brilho.

Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,

e – o que ainda é muito mais – és um Homem, meu filho!




Rudyard Kipling

Tradução de Guilherme de Almeida

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