Ver, sentir e ser

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Caminho dos Diamantes
Minas Gerais – Brasil.

Notório pedaço da história do país e da América do Sul. Destino cobiçado para o currículo da grande maioria dos cicloturistas brasileiros e estrangeiros. Sabores inimitáveis; cenários que inspiram segurança e tranquilidade; paisagens naturais e culturais que impressionam. Inspiração para músicos, poetas e outros artistas.

Se tudo isto ainda não for o suficiente, ouse descobrir muito mais ao pedalar ‘devagar’ por esta porção incrível da Estrada Real.
Uma das primeiras sensações que se tem ao iniciar o percurso, em Diamantina, é que tudo o que há para ser visto é demais, não cabe nos olhos, porque para qualquer lado que se dirija o olhar há algo que nos captura, seja pela perplexidade diante do belo, pela simplicidade das gentes ou pela velocidade da vida que insiste em ser menor do que a de nosso mal costume.

Há de se calibrar o olhar enquanto se pedala pelas ruas de pedra da cidade do ex-Presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, inclinadas e vestidas de toda cor misturada ao branco da roupagem dos casarios carregados de tempo, porém, impecavelmente revitalizados e cuidados pela sua comunidade. Seja à luz do dia ou durante as madrugadas tranquilas facilmente se percebe o zelo e o esmero com a limpeza, pelo menos do que nos foi possível notar.

Lapidada pela sua gente, Diamantina se revela rica, sobretudo, em detalhes. Para vê-los, faz-se necessário perder-se rua após rua de um casco histórico recoberto de atrações, boa mesa e segurança.

Todo esta atenção com a hospitalidade pode ser encerrada em dois dos bons exemplos por lá encontrados com facilidade: Pouso da Chica, aconchegante e confortável pousada onde se degusta um café da manhã regional impecável e o Espaço B, no Beco da Tecla, um feliz patchwork de livraria, café, restaurante, onde os pratos servidos provam que quem os preparou sabe muito do riscado. Sentir os aromas e os sabores das manifestações culturais durante a estada em Diamantina atiça a vontade por saber o que virá depois.

Portanto, partir é um verbo que não se deveria permitir conjugar quando a referência é a quase tricentenária cidade, que além de ser tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), também é reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade.

Tudo parecia dizer: ‘Veja as calçadas, as eiras, beiras e tribeiras, meu senhor. Veja as telhas nada simétricas feitas ‘nas coxas’ dos escravos; veja as torres das igrejas e o Café Baiuca na Praça Correa Rabelo. Repare nas janelas ornadas com flores ou com ‘namoradeiras’, simpáticas estátuas femininas feitas em madeira colocadas ao borde das aberturas de guilhotina, não para seduzi-los, mas para encantá-los’.

Ao buscar sair da cidade, invariavelmente o ciclo turista será saudado por várias pessoas, quase que como um agradecimento por incluir no roteiro de viagem algumas horas percorrendo seu lugar, sua jóia, sua casa. Esta maneira de ser não abandona o cicloturista em nenhum momento sequer, até encontrar o caminho de terra que leva em direção a São Gonçalo do Rio das Pedras, Milho Verde, Três Barras e Serro.

Mal o grupo se acostuma com o som da rodas sobre o chão árido, o caminho permite um encontro inusitado. Tivemos a graça de parar alguns minutos para conversar com o casal Nemo Romero e Jimena, jovens argentinos, artistas de rua, empurrando duas bicicletas simples carregadas com toda a sorte de tralhas e, pasmem, um monociclo e um bambolê!!!! Nada surpreenderia mais a um grupo de cicloturistas usando bicicletas caras e
super equipadas do que cruzar com dois outros cicloviajantes em tais condições. Aliás, penso que os sorrisos do casal ao encontrar- nos foram ainda mais surpreendentes.
O nome Itapanhoacanga (pedra cabeça-de-negro, na língua nativa Tupi), confesso, foi por mim soletrado e treinado durante as longas horas de pedal como um mantra, porém, possivelmente repercutiu em um dos mais belos cenários de toda a viagem. Este distrito de Alvorada de Minas é um pequeno fragmento de caminho composto de passagens sobre rios e estradas estreitas, as quais faziam crer que, logo após, seria possível vislumbrar muito mais além. E a promessa foi cumprida. Antes mesmo de poder chegar ao final da subida, impossível não deter-se diante da figura imponente do Seu Sebastião, com menos de 1,60m de altura, camisa azul surrada e bonezinho branco posto na cabeça, caminhando com dificuldade, mas com fé.

A saudação hospitaleira carregada de doce simpatia deixava entrever o moleque de calças curtas e boca suja de manga sabina por traz daquele semblante de 83 anos, cuja cútis mais lembrava os caminhos tortuosos de terra e mato pelos quais passamos. Com uma foice sobre os ombros, o pequeno homem feliz, indo ao trabalho na roça, era feito de uma boniteza que emociona, com olhos de jabuticaba que se fizeram mais brilhantes enquanto conversávamos, como se fôssemos nós, o momento mais belo do dia.

Depois da prosa ligeira e de coçar a cabeça meio que sem entender o que essa gente viera, de tão longe e de bicicleta, fazer no seu “cantinho de mundo”, seu Sebastião dita aquela frase que, até agora, repercute em nossas cabeças: “vai com Deus e obrigado por visitar a minha cidade”. Ser Estrada Real, nas formas mais singelas, pode revelar uma grandeza incomensurável. Sebastião que sumiu entre a poeira das bicicletas morro abaixo… Sebastião, um sonho de ‘sertão’…de ser tão Estrada Real.

Não se furte a chance de perceber Santo Antônio do Norte e Córregos, povoados de quase uma rua só, que já foram visitados por figuras importantes da história como o naturalista francês Auguste de Saint – Hilaire, em 1817.

Siga, sem afrouxar a pedalada em direção a Conceição do Mato Dentro, Morro do Pilar e Itambé do Mato Dentro, emolduradas pela Serra do Cipó. Nesta última, Itambé, uma hospedagem de extremo conforto e hospitalidade espera o cicloviajante.
Depois de muito pedalar, não deixe de conhecer a Pousada Lava-pés, onde o João Dornelas recebe a todos com esmero, oferecendo uma noite repositora de energias e uma gastronomia de excelente padrão.

Mais à frente, em Cocais, distrito de Barão de Cocais, podese ter acesso ao Caminho do Sabarabuçu, pequeno trecho da Estrada Real que leva em direção a Ouro Preto, passando por Caetés, Sabará, cercanias do Parque Estadual da Serra do Rola Moça, Honório Bicalho e Acuruí. Porém, a localidade reserva um lugar ainda mais especial para o cicloturista.
Além das igrejas de Nossa Senhora do Rosário e da Capela Nossa Senhora de Sant’Ana, ambas do século XVIII, o sítio arqueológico da Pedra Pintada reúne centenas de pinturas rupestres de mais de 8 mil anos, além de uma vista monumental.

Entre Barão de Cocais e Santa Bárbara, o convite a visitar o Santuário e Parque Natural do Caraça não pode deixar de ser atendido. E os motivos são vários e inimitáveis. Ali, junto à Serra do Espinhaço, ergueu-se um colégio e um mosteiro, em 1774. Presidentes da República, como Afonso Pena e Arthur Bernardes, tiveram lá seus estudos. A igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens, de 1883, é um convite ao silêncio interior. A hospedagem é simples, porém confortável e extremamente caprichosa. As refeições, com hora marcada, permitem recobrar os ânimos e deixar os sentidos mais aguçados para o que está por vir, ao cair da noite.

No meio do breu da madrugada, em um dos acessos ao santuário, é possível ter um encontro que mexe com as sensações dos visitantes. No silêncio da nossa espera, lobos-guarás se aproximam precavidamente em busca da refeição noturna entregue pelos religiosos internos, todas as noites. Não há como não deixar-se hipnotizar por aquela presença tão especial, altiva, elegante e cheia de si, ainda que em processo de extinção.

Após uma noite de sono renovador, no caminho Santa Bárbara-Catas Altas, mais uma razão para buscar compreender a importância da Estrada Real, não apenas para as Minas Gerais, mas para todo o sertão brasileiro. O bicame de pedra pelo qual cruzamos se constitui em uma obra de engenharia em forma de aqueduto que, em 1792, servia ao garimpo, de onde provém o nome ‘catas’. Hoje, restam nada mais do que cento e poucos metros de tal construção, possível de visitação. Dali em diante são poucos quilômetros até Ouro Preto, onde o repouso e o conforto esperam o cicloturista excelência da Pousada Sinhá Olímpia.

Se há o entendimento que o cicloturista é um consumidor que replica seu repertório de experiências variadas, tem gosto bem formado, é exigente em termos de conforto, segurança e diversidade, e se há claramente o interesse em atrair o segmento cicloturístico para o Caminho dos Diamantes, há que se realizar um forte investimento em mídia qualificada, a fim de consolidar este público.

Os saberes e sabores do Caminho dos Diamantes esperam pelos cicloturistas de todos os cantos do Brasil e do mundo.

Ver, sentir e ser Estrada Real…Diamantes postos ao caminho para serem colhidos.

por Therbio Felipe M. Cezar

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