Mountain Bike: paixão universal e incontestável!

Mountain Bike: paixão universal e incontestável!

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Havia uma leve neblina naquele final de tarde fria, lá no paralelo 30°, quando a vi passar diante meus olhos por primeira vez. Era a segunda metade da década de 1980 aqui no Brasil e aquela imagem da Caloi Cruiser Light me tira o sono até os dias de hoje, pois não era minha, nem viria a ser. Da mesma forma que surgiu em meio àquele fog, desapareceu ao fim da rua, tão cheia de si, transpirando resistência ante às imperfeições que a vida e o caminho lhe convidavam a transpor. Era uma Mountain Bike, my friend, e eu, sem saber, acabara de me converter em seu admirador incondicional.

Assim como a grande maioria dos adolescentes que conhecia, eu havia passado longas horas a bordo da minha Monark BMX Super (amarela com o número 8 e banco de moto), ousando usá-la em todo o terreno visível ou transformando outras bikes disponíveis, seguindo a ilusão juvenil de buscar fazer com que as coisas viessem a se adaptar a mim, quando sabemos, agora, que deveria ser o contrário. Minha ânsia por desbravar outros caminhos, limitada por minhas poucas capacidades técnicas e possibilidades econômicas, precisava ser suprida. Eu necessitava de uma dose excessiva de rock’n roll sobre rodas. Então, havia que perseguir aquele objeto de desejo e sonho.

Ainda lembro das centenas de tentativas extraindo para-lamas e mudando algo, aqui e ali da Barra Forte, transgredindo a estrutura da Caloi Fórmula C3 ou ainda, fazendo a minha Monark Tigrão se sentir um tanque de guerra esfarrapado.

Muitas foram as buscas por adaptação, mas, como chegar tão perto de uma bicicleta que pudesse ser ideal para todo o terreno?

Aquela sensação de quase quarenta anos atrás moveu minhas expectativas em relação ao modelo de bicicleta que garantisse uma experiência mais ampla ao pedalar. Eu não sabia que o tal sentimento que me tomava iria se transformar em uma paixão amadurecida, pela qual sofrimento e vitória se mesclariam e se justificariam.

Abandonados foram os outros tais modelos de bicicleta, coitados, que me serviram durante anos, sendo adulterados e forçados a sofrer o resultado de toda sorte de meus descaminhos e inconsequências, consentindo e aceitando minha necessidade de subir e descer pelo inevitável, de não respeitar obstáculos e de sentir, coberto de lama, que havia algo a mais naquele ato de transpor barreiras e irritar meu pai ardentemente, quando eu voltava para casa a arrastar o que havia sobrado daquilo que, horas antes, ele também havia chamado de bicicleta.

Parece-me, hoje reflito, que àquela época a expressão intransponível deveria ser extorquida, usurpada, ou ainda, retirada sumariamente do dicionário, afinal, havia uma revolução acontecendo e liberdade era a palavra que eu queria usar e sentir.

Alguns amigos me faziam chegar novidades de outras latitudes, pois mantinha relacionamentos com comunidades lusófonas de além-mar, informações estas sobre campeonatos de BTT em Portugal e, como fazia parte de clubes de correspondência (sim, a velha e saudosa carta), rememoro que uma família da região administrativa de Ródano-Alpes me contara, em resumidos detalhes e poucas linhas, como tinha sido uma prova do mundial, lá nos idos de 1987, na comuna francesa de Villard des Lans, no department de Isère, a 584km de Paris.

Com o passar dos anos, fui percebendo que o que havia mudado minha forma de pedalar acabara por transformar-se em sinônimo de bicicleta, porque cada vez mais notava que a gente ao meu redor, usuários ou não, se referiam ao modelo mountain bike quando queriam falar bicicleta. Era mais um caso de metonímia, como dizer “me faz um xeróx”, “vai comprar uma gillete” ou algo assim.

Mais uma vez, a revolução que a Mountain Bike causava no cotidiano chamava a atenção, pois a todo momento que alguém dizia que daria uma volta de bicicleta, era com uma Mountain Bike que o faria e isto se repetia em inúmeras ocasiões e com os mais variados fins. Ampliava-se, assim, a percepção do uso da bicicleta, movimento, este, irrestrito, incondicional e irreverentemente irreversível.

Notava que as pessoas, ao comprar bicicletas, invariavelmente escolhiam aquelas que se encaixassem mais no modelo que remetia, por sua vez, a Mountain Bike, ainda que o uso que fizessem ao pedalar não fosse, nem de longe, aventureiro, destemido ou estabanado como o meu.

Passamos a ver diariamente mountain bikes sendo usadas para inúmeras finalidades. Lojas e magazines na década de 1990 fizeram por onde popularizar o modelo, ainda que a qualidade e resistência fossem adequadas tão somente ao deslocar-se em bicicleta. Ainda tenho em mente minha amada Sundown, bicicleta com a qual tive a primeira experiência cicloturística, esta última, que se traduziu no conhecimento que mudou a minha vida.

Outra transformação, imediatamente percebida, foi o aumento recorrente da presença feminina sobre a bike. Em todos os lugares e por diferentes caminhos, as mulheres fizeram por onde adaptar o modelo Mountain Bike ao seu uso particular e personalizado, admitindo, até mesmo, o incremento de cestinhas frontais, protetores de corrente, descanso e um selim ergonomicamente diferenciado. E já que não existem cores ‘femininas’ e, sim, primárias, secundárias e assim por diante, não irei comentar mais profundamente sobre os tardios, porém, bem-vindos tons cor-de-rosa, lilás e violeta que tomaram conta, não só das ruas das cidades, mas das subidas e descidas das estradas e trilhas rurais, ainda bem.

O cicloturismo ganhava sobremaneira com a Mountain Bike, visto que tal modelo permitia acessar determinados trechos irregulares, acidentados, rigorosos ou até mesmo um pedalar mais violento, com permissão da palavra. Além disso, a aposição de bagageiros garantia a possibilidade de levar alforjes de diferentes modelos, coisa que talvez, em outros desenhos de bike, se tornava impróprio.

Por tamanha gama de alternativas de uso, mais do que se tornar popular, a Mountain Bike se converteu na expressão de bicicleta com o maior número de usuários, seja para fins esportivos ou não, pelo menos aqui no Brasil.

É, possivelmente, o modelo mais visto nas ruas das cidades que clamam por soluções em mobilidade, reconfiguradas com pneus com cravos mais baixos, acessórios de carga, luzes dianteira e traseira, entre outros, usadas assim para ir ao trabalho, à escola ou simplesmente realizar o lazer sobre rodas.

Apesar destas assimilações diante das necessidades e de dar mostras de ser, praticamente, uma unanimidade, não podemos deixar de salientar que entendemos que a Mountain Bike, tal como a conhecemos ou adaptamos, não seja o ideal modelo para transitar em ambientes urbanos, pois já existem set ups no mercado direcionados idealmente para este fim.

Da mesma maneira, é bastante provável que seja este o modelo com maior presença em atividades cicloturísticas, muito embora existam excelentes alternativas específicas para tal prática, porém, usando outras bases para o design.

Meus amigos que realizam a prestação de serviços como bike couriers, iniciaram suas atividades com suas velhas mountain bikes adaptadas ao cenário urbano, e aos poucos as foram substituindo pelas personalizadas bicicletas de identidade fixed gear.

Acabo de escrever este material olhando para minha MTB 29er ali, me esperando para nossa saída diária. Algo me diz que esta paixão irrefreável constituída há tanto tempo vai ainda resultar em muitas histórias, com certeza. Aliás, vale a pena comentar, que existe uma revolução acontecendo, já é quase fim de tarde, está frio, e uma ligeira neblina paira sobre a ruas da cidade…

por Therbio Felipe M. Cezar

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