Museu Nacional de Arte Antiga

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História de Portugal em Património, a constituição das coleções segue o ritmo do processo histórico nos séculos XIX, XX e XXI que tem vindo atravessando: primeiro por efeito da extinção das congregações religiosas (origem do museu que, por determinação de D. Maria II, se estabelece em 1836 na recém criada Academia Nacional de Belas Artes, reunindo essencialmente acervos de pintura); depois com a organização, em 1882, da celebrada Exposição retrospectiva de arte ornamental portuguesa e espanhola, que despoletaria a sua criação, dois anos mais tarde; enfim com a implantação da República, em 1910 (e no quadro da sua própria reorganização e nova denominação de Museu Nacional de Arte Antiga), acolhendo novo espólio proveniente dos antigos palácios reais e, de novo, do património da Igreja (sés e paços episcopais). De então para cá, o Museu cresce pacificamente por aquisições públicas e doações e legados de particulares (não raro, vultuosos), cujos nomes agora, ano a ano atualizados, acolhem o visitante de hoje, num magma imponente que alastra pela parede no renovado átrio principal: atestando publicamente o reconhecimento da instituição e estimulando a consolidação de uma prática
civilizacional.

Assim, por caminhos vários, foram entrando no museu muitas das obras-primas que hoje fazem a sua reputação universal: do Rafael, adquirido com a verba para esse efeito estabelecida pelo Rei-Artista D. Fernando II; aos Pereda ou Vernet, comprados pela Academia no espólio da Rainha Carlota Joaquina de Bourbon; ao Cranach, doado pelo conde de Carvalhido; ao Dürer, adquirido pelo Estado ainda no século XIX; ao Piero della Francesca, entrado no museu,pelo mesmo método, já no século XX; aos Painéis de São Vicente, ao Apostolado de Zurbarán, ou à Virgem de Memling, de incorporação religiosa; ao tríptico de Bosch e a pinturas de Bermejo, Van der Goes, Mabuse, Holbein, Hooch ou Tiepolo, provenientes das coleções reais — para referir apenas o caso da pintura.

De facto, é com o voltar da primeira década do século XX (e com a nova missão decorrente da formulação Museu Nacional de Arte Antiga), que o MNAA define a um tempo coleções e vocação: pintura portuguesa e europeia dos séculos XIV ao XIX (na atualidade em áreas distintas do edifício); desenho europeu e português (séculos XV a XIX) e gravura europeia e portuguesa (séculos XVII a XIX) — confinados estes, pela intrínseca fragilidade das espécies, às reservas do Gabinete de Desenhos e Gravuras, mas regularmente mobilizados no quadro do programa expositivo específico, que o Museu organiza na adjacente Sala do Mezanino; escultura, globalmente portuguesa, dos séculos XIII a XIX (mas com bolsas de relevo: do notável torso grego, do século V a. C., aos alabastros de Nothingam, às cerâmicas Della Robbia, à Danae de Rodin); ourivesaria e joalharia portuguesas (séculos XII a XIX), sector, porém, recentemente enriquecido com a incorporação de quase 400 peças de joalharia goesa dos séculos XVIII a XX; ourivesaria francesa (a coleção, verdadeiramente única, de serviço de mesa e quarto da antiga Casa Real); cerâmica, com destaque para a nacional (séculos XVII e XVIII) e a porcelana da China (séculos XVI a XIX); mobiliário português (séculos XV a XIX) e europeu (com relevo na a produção francesa do século XVIII); têxteis, nacionais, europeus e orientais (séculos XIV a XIX), incluindo paramentaria, tapeçaria, tapetes e bordados; vidros portugueses e europeus (séculos XVI a XIX); artes da Expansão, de África à Índia, da China ao Japão.

Um mundo, que compreende ainda sectores outros, de menor expressão, mas não menor significado artístico: dos bronzes e vidros italianos do Renascimento (incluindo as extraordinárias porcelanas Medicis) aos contadores flamengos, de tartaruga, pedras duras e madeiras raras. Ou à Sala Patiño, assim chamada, com a sua boiserie dourada e branca, proveniente do Palácio Paar de Viena (o americano MET exibe outra, de menores dimensões) e mobiliário proveniente de Versalhes, doação generosa do diplomata boliviano e milionário Atenor Patiño, em 1969, cujo ambiente sumptuoso e rococó o visitante encontra nas imediações (como não poderia deixar de ser), das salas dedicadas
às artes decorativas francesas desse período — na mesma ala do palácio onde se alongam as salas da pintura europeia.

Como não poderia deixar de ser, porém, será esta o termo do percurso — antes, talvez, de baixar à grande temporária e ao jardim, demandando, lá ao fundo, a sala onde se albergam As Tentações de Santo Antão, de Hieronimus Bosch, uma das jóias de maior quilate entre as que se guardam no Museu. Antes, o visitante é recebido (se entrando pelo acesso principal) pela arte portuguesa e da Expansão, disposta nos três pisos da ala nova de Rebello de Andrade. Aí se apercebe de que as coleções que o Museu lhe oferece, engrandecidas embora, de continuo, por generosas doações e importantes compras, são, antes de mais, herança da História: por isso que ilustram, no seu conjunto,
essa mesma História, de mais de oito séculos, que, com a aventura marítima, se globalizaria. Assim, mesmo que ilustrando, em patamar de objetiva excelência, o que de melhor se produziu ou acumulou em Portugal nos domínios acima enunciados, entre a Idade Média e os alvores da Contemporaneidade, o MNAA é, em amplíssimo sentido, um museu do mundo e para o mundo: multicultural como o próprio país.

Primeiro museu nacional é, ainda, enfim, por natureza, parceiro incontornável na atividade museológica internacional, pertencendo-lhe, por inerência, a dignidade de museu normal: o que define a norma, as boas práticas, em acordo, uma vez mais, com os padrões internacionais, seja em matéria de conservação e de museografia, seja no âmbito do seu serviço de educação, pioneiro no País. Hoje enfrenta os novos desafios do mundo contemporâneo: nas suas exigências de abertura e fruição cultural, no âmbito da nova sociedade da informação e da circulação.
Por isso também a pressão crescente do turismo, que busca de modo cada vez mais intenso a sua dimensão de História de Portugal em Património.

Apesar disso, a sua escala moderada (diz-se na Europa que é o mais pequeno dos grandes museus), e talvez mesmo a sua estrutura física, feita de adições, estirada frente ao Tejo, permitem-lhe ainda, em boa parte, proteger-se da pressão agitada e predatória do turismo de massas, que em outros pontos de Lisboa preferencialmente se concentra — ou, pelo menos, diluí-la. Preservando, com os tesouros que o habitam, a ilusão de constituir ainda um jardim secreto (o último), que se frui e se desvenda.

por António Filipe Pimentel
Diretor do Museu Nacional de Arte Antiga – Lisboa

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